segunda-feira, 3 de julho de 2017

A abertura do garrafão de Colares "Genuíno" (parte 4)

O momento da verdade chegara e o silêncio na adega tornou-se sepulcral. VL ia levar o vinho à boca com mais de cinquenta pares de olhos fixos no copo e toda a gente aguardando o momento da verdade. Será que o "sortudo" ia fazer uma careta? Seria uma decepção? Estaria imbebível? Ou, pelo contrário, seria um momento triunfal? Realisticamente a expectativa não deveria ser muito elevada, pois tratava-se de um vinho com mais de oitenta anos, era branco e estava num garrafão!

Ao primeiro gole VL não conseguiu conter a emoção, fazendo um ligeiro esgar que não passou despercebido a ninguém. A acidez do Colares era contundente, quase equiparável a um soco no céu da boca. É certo que o vinho estava à temperatura ambiente, que enaltece a causticidade da acidez (por isso os brancos jovens devem ser servidos frios), mas não era previsível que impressionasse tanto o palato e transmitisse uma sensação tão grande de frescura e jovialidade. Logo de seguida, ainda com o vinho na boca, começaram a surgir os aromas complexos de tantos anos de estágio e envelhecimento no garrafão. 

O vinho estava vivo e bem vivo, com uma complexidade voluptuosa, que desafiava o "sortudo" a exprimir por metáforas as emoções que ia sentindo. Certamente que as temperaturas amenas e sem grandes amplitudes térmicas de Almoçageme teriam sido decisivas para o envelhecimento nobre que o vinho sofrera. Depois, quando houve serenidade para apreciar o corpo do vinho, é que VL reconheceu que já não tinha a fogosidade da juventude, não era musculado, não era encorpado. Para quem gosta de emoções fortes e efémeras, não seria, por certo, o vinho ideal. Porém, para quem gosta de sensações delicadas, enigmáticas e muito prolongadas dificilmente haveria vinho mais desafiante. Após engolir o vinho VL continuava com a boca cheia, uma intensidade aromática arrenbatadora, uma cremosidade admirável e um final de boca verdadeiramente olímpico. Era hora de todos os felizardos partilharem as mesmas emoções e fazerem do momento um hino à magia desta bebida dos deuses.

Do silêncio sepulcral passou-se para o entusiasmo incontido e ruidoso, com toda a gente a querer provar o vinho que tinha passado a prova do tempo com distinção e louvor. Os mais experimentados emocionavam-se e discutiam animadamente entre si. Os outros, em minoria, interrogavam-se, tinham dificuldade em entender tanto entusiasmo, surpreendiam-se com os comentários. Alguns, mais afoitos, até me confessavam que não estavam preparados para apreciar o vinho. Eu surpreender-me-ia se não fosse assim e, por isso, tive o cuidado de seleccionar vários vinhos do ano para o repasto que se seguiria.

A festa estava ao rubro, mas ainda havia outro garrafão - de tinto - para abrir...

Fotos cortesia de Rui Viegas

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Professor Virgilio Loureiro

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